Professores em luta. Parte um de dois.
Depois de um período de falsas expectativas, que as sereias do oportunismo aproveitaram para tentar legitimar o chamado "primeiro ciclo avaliativo" e para dar ao segundo Governo de José Sócrates o tempo necessário para preparar novos e mais violentos ataques contra os professores e as escolas, eis chegado o momento de "regressar à terra" e de retomar com firmeza o caminho da luta pela defesa da dignidade docente e por uma educação pública democrática, rigorosa e de qualidade.
Aqui chegados, há que fixar a lição mais importante dos últimos três meses, a saber: as políticas educativas postas em prática pela dupla Sócrates/Rodrigues continuam a fazer o seu caminho dentro do Governo e do Parlamento, independentemente da personalidade dos ministros e dos "compromissos" que os partidos da oposição juraram cumprir em tempo eleitoral. O que isto significa é que o elemento decisivo que está na base das drásticas transformações que actualmente se desenvolvem na educação pública em Portugal, não deve ser procurado em circunstâncias conjunturais e passageiras, e muito menos deve ser buscado num pretenso movimento de inércia originado na "burocracia da 5 de Outubro", mas tem antes que ser encontrado em forças e interesses muito mais vastos e poderosos do que esses.
De facto, o que está em curso no sistema escolar em Portugal, à semelhança do que acontece a nível global, é um processo de transformação com uma natureza e uma lógica capitalistas, o qual tem na sua base a existência de poderosas indústrias e grupos económicos que pretendem converter a educação pública numa área privilegiada de negócios e de lucros. No que ao nosso país diz respeito, essas indústrias e grupos económicos, ou já actuam em força na educação pública (caso das empresas informáticas, como a Microsoft, a Intel e outras, dos grandes grupos editoriais, etc.), ou espreitam a oportunidade de aqui se estabelecerem (caso das empresas multinacionais que têm por âmbito de acção a gestão global das escolas ou a gestão de aspectos particulares dos processos de ensino/aprendizagem/avaliação).
A escola-empresa que se pretende instituir, em Portugal e a nível global, é uma escola "a tempo inteiro", em que alunos e professores têm um horário clássico de trabalho de oito horas, estão sujeitos a uma exigência de "melhoria contínua de resultados" sob uma supervisão de tipo patronal, e em que esse trabalho assume o mesmo carácter repetitivo, mecânico, impessoal e (no caso dos professores) mal pago, que existe nos demais sectores de actividade em que vigoram relações capitalistas de produção.
Numa tal "escola-empresa" pretende-se ainda que exista um corpo reduzido de "professores-supervisores" e um corpo maioritário de professores reduzidos a uma espécie de "técnicos de educação" (este constituído por uma grande parte dos cerca de 70.000 professores a quem o Ministério da Educação se prepara para barrar de vez o acesso aos escalões mais altos da carreira docente, assim como dos cerca de 30.000 professores contratados). A condição que se pretende instituir para esses "técnicos de educação" pode ser já apercebida se se olhar para os quase 10.000 professores que desenvolvem o seu trabalho nas chamadas "actividades de enriquecimento curricular" ou que trabalham nos "Centros Novas Oportunidades" não sedeados em escolas do ensino público, os quais professores, executando embora funções semelhantes aos professores dos quadros do ME, estão no entanto sujeitos a condições de remuneração e de trabalho muito mais gravosas e degradantes do que acontece com estes últimos.
Mas há mais e pior. É que, no que diz respeito ao conteúdo do ensino e à natureza dos processos de ensino-aprendizagem, o que se prepara actualmente é a completa "coisificação", mecanização e padronização desse conteúdo e desses processos. Os instrumentos e os modelos para tal já existem ou estão em processo acelerado de construção. Trata-se, entre outras coisas, da generalização do uso do computador portátil e de outros artefactos de tecnologia digital nas escolas, logo desde o primeiro ano do ensino básico, e da colocação nos mesmos da maioria dos conteúdos de aprendizagem; trata-se também de multiplicar as provas e os exames destinados a realizar o "controlo de qualidade" desta última; e trata-se ainda de reduzir os objectivos dessa mesma aprendizagem a "referenciais mínimos de competências", facilmente objectivadas e passíveis de serem ensinadas, medidas e avaliadas através de mecanismos e procedimentos que tornem quase dispensável a presença do factor humano na relação educativa escolar.
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